ASSÉDIO SEXUAL - DESENLAÇANDO - SITE
Carla Carvalho

Carla Carvalho

Sexcoach e Terapeuta Holística

ASSÉDIO SEXUAL: A VITIMIZAÇÃO (IN)VÍSIVEL DA MULHER NO TRABALHO

Uma das formas mais recorrentes de frear o desenvolvimento das mulheres, o assédio sexual é uma reação hostil à presença feminina no mundo corporativo e uma tentativa de imposição masculina para a perpetuação do mercado de trabalho como um espaço de domínio natural dos homens. É um fenômeno de violência global, exercido, comumente, a fim de subordinar mulheres a chefias e colegas de trabalho – por meio de ameaças, intimidações e imposição de vontade para que realizem atos sexuais contra a vontade – ferindo a liberdade sexual e violando os direitos das/os trabalhadoras/es. O assédio sexual no trabalho é uma espécie de violência de gênero.

1 O QUE É ASSÉDIO SEXUAL NO TRABALHO?

Assentado numa manifestação de poder e de dominação, o assédio sexual é uma conduta sexual ou sensual, não requerida e não consentida, pela pessoa a quem se destina. É uma espécie de avanço, sempre de característica sexual não aceitável, configurado pela solicitação ilegítima de favores sexuais ou por contatos físicos ou verbais, de cunho ofensivo ou hostil. Carecendo de reciprocidade, o assédio sexual tem como principal intuito intimidar para atingir a subordinação.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), na Convenção 190/19 (ainda não ratificada pelo Brasil), estabelece que o assédio sexual é um exemplo de violência ou assédio baseado em gênero. Ou seja, segundo a OIT, numa definição jurídica internacional, o assédio sexual é uma conduta – configurada por atos, insinuações, contatos físicos forçados ou convites impertinentes – que se destina ou que acaba por afetar de forma desproporcional uma pessoa ou grupo de pessoas em razão do sexo ou gênero. Notadamente, o assédio sexual é uma prática discriminatória e violenta que atinge, principalmente, mulheres e que tem sido utilizada como recurso de dominação de chefias e de colegas de trabalho.

No Brasil, o assédio sexual é considerado crime:

Art. 216-A – Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena – detenção, de 1(um) a 2(dois) anos (Código Penal Brasileiro).

Desta maneira, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), considera o assédio sexual como um constrangimento com conotação sexual ocorrido no ambiente de trabalho, em que o agente utiliza a sua posição hierárquica superior ou sua influência para obter satisfação sexual de alguma forma. Assim, o crime de assédio sexual pode ser imputado à superior hierárquico ou por quem esteja em posição ascendente, configurando-se por simples constrangimento da vítima ou pela prática contínua de atos constrangedores. E, embora seja uma prática criminosa que vitimiza as mulheres em maior número, é uma conduta punível independente dos gêneros e das orientações sexuais do/a assediador/a e do/a assediado/a.

2 O QUE NÃO É ASSÉDIO SEXUAL?

Para que haja a configuração de assédio sexual, é importante inexistir a reciprocidade da vítima. Se há correspondência em trocas de olhares e comentários, não se pode falar de assédio sexual. A investida sexual não consentida também precisa ser repelida. Se há intimidação, insistência, que deixa a vítima sem graça e gera constrangimento, fazendo-a sentir-se agredida, lesada, perturbada e ofendida, isto é assédio sexual.

ASSÉDIO SEXUAL NÃO É PAQUERA!

SEDUÇÃO NÃO É ASSÉDIO SEXUAL!

3 COMO IDENTIFICAR?

Dentre as principais características, o assédio sexual, de forma genérica, se configura pelos seguintes elementos:

  • Existência de relação de trabalho entre o/a assediador/a e assediada/o.
  • Conduta de natureza sexual.
  • Rechaçamento da conduta.
  • Abordagem repetida e insistente.
  • Pretensão de obter favores sexuais.
  • Imposição de vontade.

Pode haver contato físico, mas este não é imprescindível à caracterização da conduta. Outro ponto importante, é que o assédio sexual no mercado de trabalho pode ocorrer fora do ambiente da empresa. O assédio sexual ofende a intimidade, a imagem e a honra da pessoa assediada. Além de causar constrangimento e ferir a liberdade sexual, também atenta contra o valor social do trabalho e ao direito ao meio ambiente de trabalho sadio e seguro. Cria uma ambiência nociva ao bem-estar físico e psicológico do/a trabalhador/a. Vê-se que é uma violação à dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais do/a empregado/a, principalmente, ao direito de igualdade de oportunidades.

4 TIPOS

O assédio sexual no ambiente de trabalho pode ser de dois tipos:

  1. POR CHANTAGEM – é conduta própria de agente superior hierárquico (chefe, gerente, supervisor, etc.) em proveito próprio ou de terceiros, por meio da solicitação de serviços ou favores sexuais oferendo ou prometendo em troca vantagens ou benefícios, melhores condições de trabalho, melhoria de ganho salarial, e/ou acesso, promoção ou permanência no cargo ou emprego. Nesta circunstância, a aceitação ou a rejeição à investida sexual é determinante quanto a decisão benéfica ou maléfica do/a assediador/a para a situação de trabalho da pessoa assediada. Ao ser repelido, o/a assediador/a, comumente, passa a constranger e a humilhar a vítima para fazê-la ceder. Esta é forma mais comum de assédio sexual.
  2. POR INTIMIDAÇÃO ou ASSÉDIO AMBIENTAL – na configuração deste tipo de assédio sexual, é irrelevante a relação hierárquica entre o/a assediado e o/a assediador/a, podendo, assim, ser o/a agente qualquer funcionário da empresa ou colega de trabalho que intimide uma pessoa ou grupo de pessoas em particular. Aqui o/a assediador/a cria uma situação hostil, intimidativa ou humilhante no espaço laboral expondo a vítima a situações vexatórias, constrangedoras ou inoportunas. Por exemplo, ocorrem investidas, gestos, propostas, sempre de cunho sexual, com a intenção de prejudicar a atuação profissional, pressionar ou desestabilizar a vítima, e que configuram uma atmosfera de trabalho ofensiva, abusiva e nociva.

É equivocada a ideia de que o somente o superior hierárquico pratica o assédio sexual contra subordinado/a. Podem ser assediadores/as: chefe direto, gerente, supervisor, alguém com cargo elevado ou vários colegas de trabalho.

5 FORMAS DE MANIFESTAÇÃO

São formas de manifestação do assédio sexual no trabalho:

  1. FÍSICA – ocorre por meio do toque na pessoa assediada, por exemplo: apertos, agarramentos, esticões, apalpadelas, palmadas, encurralamento em determinado espaço.
  2. VERBAL – expressado na insistência de convites para sair, telefonemas e/ou mensagens obscenas, comentários desnecessários e inoportunos e pressões sexuais, entre outras manifestações.
  3. NÃO VERBAL – velado e intimidador, pode se dar por meio de olhares indiscretos e maliciosos, exibição de fotos e textos pornográficos, insinuação sensual, perseguição, exibicionismo, e etc.

6 EXEMPLOS

  1. Verbalização de expressões, comentários e indiretas de cunho constrangedor.
  2. Envio de mensagens e contato nas redes sociais com conteúdo erótico.
  3. Contato intimidatório a caminho do trabalho, em happy hours da empresa, festas de final de ano e/ou outros eventos.
  4. Exibição de material pornográfico no local de trabalho.
  5. Brincadeiras vexatórias de cunho sexual.
  6. Piadas de duplo sentido.
  7. Exigência de vestimentas sensuais.
  8. Bilhetes e elogios que causem constrangimentos.
  9. Contato físico indesejado.
  10. Propostas indecentes.
  11. Encoxadas.
  12. Insinuações e gracejos.
  13. Exibição de nudes.
  14. Falas sexistas.
  15. Exibição de genitália.
  16. Comentários constrangedores sobre a figura do gênero oposto.
  17. Beijo lascivo.
  18. Toque nos genitais.

7 IMPACTOS

Mulheres assediadas sexualmente no espaço de trabalho, no julgamento social, geralmente, são responsabilizadas pelo ocorrido e descredibilizadas quanto a não anuência e reciprocidade. Os efeitos podem ser devastadores. Tal culpabilização, quase sempre, focada em valoração moral de comportamentos considerados insinuantes ou em vestimentas ditas provocantes, prejudica diretamente o rendimento profissional causando sofrimentos e comprometendo as relações de trabalho. Os impactos repercutem nas faltas ao serviço e na queda de produtividade. As pessoas assediadas, frequentemente, passam a demonstrar sofrimento evidenciado por ansiedade, depressão, distúrbio do sono, transtornos alimentares, e etc. O assédio sexual tem custos sociais e econômicos para toda a sociedade.

8 CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS

A prática discriminatória e violenta do assédio sexual envolve as esferas criminal, cível, trabalhista e administrativa.

Na incidência do assédio sexual por intimidação (entre colegas, por exemplo), poderá ocorrer a dispensa por justa causa do/a empregado/a assediador/a.

Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: […] b) incontinência de conduta ou mau procedimento;[…] (Decreto-lei n.º 5.452, de 1.º de maio de 1943 – Consolidação das Leis do Trabalho – CLT).

Sendo o/a assediador/a um empregador ou superior hierárquico, o/a empregado/a assediado/a pode intentar a rescisão indireta do contrato na Justiça do Trabalho.

Art. 483 – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: […] c) correr perigo manifesto de mal considerável; d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato; e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama; […] (Decreto-lei n.º 5.452, de 1.º de maio de 1943 – Consolidação das Leis do Trabalho – CLT).

Em qualquer das hipóteses anteriores, considerando-se a violação do direito a intimidade do/a empregado/a, o/a assediado/a poderá pleitear compensação por dano moral.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; […] (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988).

Assim, os danos extrapatrimoniais serão de corresponsabilidade das pessoas que participaram ou contribuíram para a ofensa ao/à empregado/a, na mesma proporção de suas ações ou omissões.

Art. 223-A.  Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título. Art. 223-B.  Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação. Art. 223-C.  A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física (Decreto-lei n.º 5.452, de 1.º de maio de 1943 Consolidação das Leis do Trabalho – CLT).

9 COMO COMPROVAR?

A dificuldade de comprovar o assédio sexual, é um dos motivos que, junto com a culpabilização da vítima, levam a pessoa assediada a não denunciar este crime. O silenciamento gerado por causa da vergonha de ter sido assediado/a, em meio a vulnerabilidade físico-emocional, subordina a vítima aos caprichos do/a assediador/a, em geral, pela necessidade de manutenção do emprego.

É importante saber enfrentar as consequências negativas do assédio sexual, e uma das maneiras para tanto, é estabelecer uma estratégia jurídica de defesa de direitos. Seguem algumas dicas importantes:

  1. Arquive as mensagens recebidas. Salve e-mail’s, áudios, mensagens e fotos enviadas por aplicativos em locais seguros. Esses arquivos podem ser juntados ao processo e periciados.
  2. Havendo oportunidade, grave as chamadas telefônicas constrangedoras a que for exposta/o. Salve tudo em uma nuvem com acesso por senha.
  3. Ponha o smartphone no modo avião, para evitar interrupções, e antes de entrar no espaço em que está o assediador, inicie a gravação. Esta é uma orientação positiva para casos nos quais já se prevê a ocorrência de humilhações. Tente manter o aparelho sempre em condições de iniciar uma gravação.
  4. Registre um boletim de ocorrência em delegacia. Sendo do gênero feminino, dirija-se até uma Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM). Em todos os casos, é possível registrar notícia-crime de assédio sexual em uma Delegacia Regional do Trabalho.
  5. Se preferir, procure o Ministério Público do Trabalho e apresente uma notícia dos fatos ocorridos.
  6. Comunique o assédio ao setor responsável pelo monitoramento, fiscalização e cumprimento das regras jurídicas na empresa.
  7. Em seguida, busque consultoria e assistência de um/a advogado/a particular ou a Defensoria Pública e ingresse ações nas esferas criminal, trabalhista, cível e/ou administrativa.
  8. Provas posteriores ao assédio sexual também podem ser admitidas no processo. Obtenha um laudo sobre os impactos emocionais gerados pelos sofrimentos suportados. Arrole testemunhas com as quais tenha mantido contato imediatamente após as situações de constrangimento ou humilhação.
  9. Busque gerir suas emoções por meio de desenvolvimento da inteligência emocional. É preciso ser resiliente no enfrentamento dos riscos. As ações devem ser geradas a partir da razão. Evite jogos de poder e seja assertiva/o ao rechaçar a investida sexual. Estabeleça uma estratégia de coleta de provas e evidências.

CONCLUSÃO

O assédio sexual é expressão de uma cultura evidentemente machista que eleva e potencializa a discriminação e violência contra as mulheres. É uma forma ilegítima de uso do poder hierárquico para controlar, abusar e manipular trabalhadores, principalmente, mulheres, de maneira a invisibilizá-las e silenciá-las, vulnerabilizando a saúde, bem-estar e qualidade de vida, atingindo as condições para o seu desenvolvimento, a saber, carreira profissional e fonte de renda e sustento. O assédio sexual contra mulheres é uma questão de gênero que viola os direitos humanos.

Por Carla Carvalho

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